sábado, 28 de novembro de 2009

127. TRÁGICO AMANHECER (1939)



Existem alguns filmes clássicos que só podem ser categorizados paradigmas do cinema. É claro que muitos paradigmas vão mudando, outros ficam, mas o que importa é reconhecer quais os filmes que fundaram ou levaram à perfeição uma determinada concepção de cinema. Segundo essa maneira de ver e apreciar a arte inventada por Méliès (lembre-se que os Lumière criaram não mais do que os meios tecnológicos), não interessa absolutamente decidir qual o melhor, ou os cinco, dez ou 575 melhores filmes da “história” do cinema. É irrelevante discutir quais os critérios de desempate entre O Encouraçado Potemkim e Cidadão Kane como as maiores obras-primas de todos os tempos. Por mais que seja divertido fazer isso, às vezes, não se deve levar tal trabalho muito a sério, sob pena de cair no mais ridículo do “nerdismo” cinéfilo.

Assim sendo, eu não sei qual é a quantidade de filmes que eu reputo os maiores da sétima arte, tampouco me preocuparei em organizar “pódiuns” entre eles – a não ser de acordo com critérios profunda e claramente subjetivos. Mas, com certeza, há um punhado de fitas que ficam guardadas numa parte especial da estante, todas lado a lado. Trágico Amanhecer (“Le Jour se Lève”, França, 1939, dir.: Marcel Carné) é definitivamente uma delas. Esta obra pode não ser tão conhecida ou apreciada hoje em dia – especialmente pelos cinéfilos mais jovens – mas é aí que devemos pensar na questão dos paradigmas, para reconhecermos o devido valor dessa obra-prima. Pode estar “ultrapassada” a estética, temática ou mensagem de um filme qualquer, mas, se o diretor conseguiu atingir satisfatoriamente os princípios estéticos buscados, o filme há de merecer grande crédito e – quiçá – ser colocado dentre os “mais-mais” de todos os tempos.

O problema é que os paradigmas cinematográficos de muitos cinéfilos jovens não vão além dos anos 70 – quando muito, chega aos 60. Posso soar velho, mas juro que não sou. Na verdade, esta vida é um processo de incríveis e maravilhosas descobertas – para quem tem mente e coração abertos para tanto, é lógico. Aos 17 anos, eu baseava meus critérios de apreciação cinematográfica essencialmente em Seven – Os Sete Crimes Capitais (1994, dir.: David Fincher). Mas, a gente cresce, muda e amadurece. Por isso, eu recomendo Trágico Amanhecer especialmente àqueles que estão na maravilhosa fase de descoberta do potencial estético do cinema. Quem fica maravilhado com coisas como Sangue Negro (2007, dir.: Paul Thomas Anderson), saiba que “o buraco é muito mais embaixo”, que existem filmes – alguns bem antigos – que levaram o cinema muito mais longe na trilha das grandes e belas artes.
Quem fica maravilhado com coisas como Sangue Negro (2007, dir.: Paul Thomas Anderson), saiba que “o buraco é muito mais embaixo”, que existem filmes – alguns bem antigos – que levaram o cinema muito mais longe na trilha das grandes e belas artes.


Isso não desmerece, de modo algum, a obra de jovens cineastas. Mas o fato é que um filme como o de Carné sobreviveu às areias engolidoras do tempo. A proposta é: vamos esperar uns 50 anos e saberemos se Anderson ou Fincher merecerão o mesmo entusiasmo que dedicamos a Marcel Carné e Jacques Prèvert (o poeta roteirista de muitos de seus filmes, incluindo o da nossa pauta aqui). Quem estuda mais a fundo a história das artes sabe que muitas obras queridinhas de um determinado período não permanecem. Com certeza, havia muitos filmes em 1939 que eram considerados obras-primas (alguns talvez até mais do que Trágico Amanhecer, quem sabe). No entanto, certamente nem todos eles continuam sendo exibidos, assistidos, relançados.

Enfim, “Le Jour se Lève” narra a história do proletário François (Jean Gabin), que acaba de assassinar um homem em seu apartamento, permanecendo entocado lá por toda a madrugada, enquanto a polícia e toda a população dos arredores tentam fazê-lo descer – por bem ou por mal. Em flashbacks que vão se conectando a momentos dramáticos do cerco a François, este vai se lembrando de como “tudo começou”: incluindo quem era o homem morto e por que ele acabou morto. A última imagem do filme é um dos momentos singulares mais poéticos, cruel, irônica e simbolicamente poéticos que a arte do audiovisual já soube produzir: o relógio despertando, de manhã, para um homem morto.

Trágico Amanhecer é uma das maiores realizações do Realismo Poético francês, escola famosa nos anos 30, da qual o nome de Jean Renoir é geralmente o mais lembrado. Há ecos consideráveis de Carné e Renoir na obra dos “nouvelle vagueantes” Godard e Truffaut; graças, naturalmente, à intermediação do grande mestre André Bazin (o grande teórico da estética realista no cinema). O fato é: trata-se de um cinema de virtuose (no roteiro rico em poesia e na maravilhosa fotografia em preto-e-branco, principalmente) a serviço de um projeto estético, de retrato social e discussão filosófica, dos mais humildes. Humildade aqui não pressupõe jogar fora, sequer aprender a dominar, princípios estilísticos e estéticos – daí a magnífica virtuose (forte, mas bastante sutil) em filmes que não aparentam ser, de modo algum, ambiciosos. É isso também o que me faz desconfiar seriamente de falácias modernóides do tipo “Dogma 95”... Alarguemos nossos paradigmas.

. Escrito por André Renato   

Sinopse:

O dia amanhece normal em um subúrbio operário. Um cego começa a subir a escada de um prédio, até que uma voz se faz escutar: "Cala esta boca!". Um tiro. Uma porta se abre e um homem sai com a mão na barriga e rola escada abaixo até os pés do cego, apavorado. François, operário, permanece só em seu quarto, que logo será cercado pela polícia. 
http://www.imdb.com/title/tt0031514/ 

Elenco:

Jean Gabin,
Jules Berry,
Arletty,
Mady Berry,
Genin,
Arthur Devère,
Bergeron,
Bernard Blier,
Peres,
Germaine Lix,
Gabrielle Fontan,
Jacques Baumer,
Jacqueline Laurent,
Annie Carriel,
Léonce Corne

Informações Técnicas:

Trágico Amanhecer
(Le Jour se Lève, França, 1939)
Títulos Alternativos: Daybreak
Gênero: Crime, Drama, Romance
Duração: 93 min.
Tipo: Longa-metragem / P& B
Produtora: Sigma, Vauban Productions
Diretor: Marcel Carné
Roteirista: Jacques Viot, Jacques Prévert

Dados do Arquivo:

Arquivo: RMVB
Tamanho: 369 Mb
Audio: Francês
Legenda: Português
Rapidshare em 4 Partes
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