quarta-feira, 18 de novembro de 2009

106. A GRANDE ILUSÃO (1937)


A Grande Ilusão não é apenas um filme antibélico. É, principalmente, o trabalho de reflexão sobre o fim de um período. O que destaca a “Guerra 14-18” dos demais conflitos que explodiram anos mais tarde é o nítido choque de classes dentre os próprios militares, idéia caracterizada pelas conversas que o aristocrata Boeldieu (Pierre Fresnay), capitão das Forças Armadas da França, tem com o chefe da esquadrilha alemã, Von Rauffenstein: trata-se de uma guerra liderada por cavalheiros, descendentes da hierarquia e elite européia. Jean Renoir elaborou o roteiro inspirado nas histórias que ouvira do amigo Pinsard, aviador feito refém inúmeras vezes pelos alemães, que teria conseguido escapar de todos os campos de concentração a que era enviado. Somada aos relatos de Pinsard, estava a mensagem de paz e esperança que transformaria o filme de Renoir num dos mais emblemáticos do gênero.

Erich Von Stroheim, que faz o comandante alemão, introduz uma dubiedade incomum em cena. Vemos dois personagens em um, mergulhados na diplomacia miliciana e na amargura de uma vida dedicada às forças armadas. O porte rígido, provocado pelo uso contínuo de um colete ortopédico (ele lastima pelas muitas feridas que sofreu em combate), dá-lhe um aspecto robótico e frio, todavia seus diálogos carregados de melancolia lhe conferem uma personalidade muito mais suave daquela que, a princípio, atribuímos a ele. A figura de Stroheim — o uniforme “barroco”, luvas brancas o tempo todo cobrindo as mãos, o monóculo colado à face — converteu-se no arquétipo do oficial prussiano. Mas diferente do que muitos acreditam, Stroheim não era de origem alemã, porém austríaca (ele teve enorme dificuldade para decorar as falas). Sua presença no elenco era motivo de excitação para Jean Renoir, já que, àquela altura, Stroheim era um diretor extremamente prestigiado mundo afora, tendo lançado películas como Ouro e Maldição, A Marcha Nupcial e Esposas Ingênuas, consideradas obras-primas por Renoir. O discípulo tinha a oportunidade de dirigir o mestre. Para tanto, ficou acertado que o papel do comandante alemão seria ampliado, o que considero de suma importância, pois é justamente Von Rauffenstein quem simboliza e filtra os elementos principais da trama. Há nele o sentimento de decepção a respeito da guerra, o deparo com a perda física e o avanço dos tempos, o fim do exército imperial da Prússia e a iminente ascensão das classes que ele desprezou ao longo da vida (Von Rauffenstein zomba de Maréchal, interpretado por Jean Gabin, por ser um homem de origem humilde que, por ocasião da guerra, adquire o título de oficial). No entanto, não se deve esperar uma crítica antimilitarista radical do tipo Glória Feita de Sangue, de Stanley Kubrick.

O tratamento que recebem os oficiais franceses nas prisões militares comandadas por Von Rauffenstein — equivalente, por assim dizer, a um cinco-estrelas — seria impensável a partir da II Guerra em diante. Aproveitando-se de uma rebelião, os amigos Maréchal e Rosenthal (Marcel Dalio) conseguem fugir, e é neste ponto que se faz presente o caráter figurativo do filme sobre o fim da velha ordem. O tal motim é incitado por Boeldieu, que leva Von Rauffenstein a acertá-lo com um tiro. Para o chefe alemão, é como se esse disparo tivesse saído pela culatra, uma vez que ele tinha depositado total confiança no outro, tratando-o de igual para igual. Seus sentimentos agora parecem tão estraçalhados quanto sua coluna cervical ou mandíbula, recobertas de pinos de prata como uma armadura.

Os dois fugitivos sabem que só estarão a salvo quando chegarem à neutra Suíça, mas Rosenthal sofre uma contusão no tornozelo durante a fuga. No caminho, eles conhecem a viúva Elsa (Dita Parlo), que vive numa casa relativamente grande nas montanhas com a filha, Lotte. Há um quê de hesitação em Elsa quando os franceses lhe pedem ajuda, mas ela decide abrigá-los mesmo assim. Renoir impõe o romantismo nesta segunda parte. O tempo que Rosenthal e Maréchal passam na propriedade da viúva não é definido, mas é o suficiente para que o tornozelo do primeiro fique sadio e para que o segundo se apaixone pela triste camponesa. Antes de partir, Maréchal promete a Elsa que, terminada a guerra, ele voltará para buscá-la. A moça apenas sorri, como se não conseguisse acreditar num futuro feliz para si, mas seus olhos transmitem esperança.

A Grande Ilusão foi lançado em 1937, recebendo elogios até do presidente Roosevelt. De fato, era um compêndio de seqüências antológicas: o soldado que experimenta uma roupa feminina para uma peça de teatro, os homens a observá-lo num silêncio quase reverencial; a Marselhesa que os prisioneiros bradam quando lhes é divulgada a reconquista da região de Douamont, irritando os alemães; o adeus emocionado de Von Rauffenstein a Boeldieu na enfermaria, entre outras. Encontram-se ecos do filme em várias produções americanas, como Casablanca, Fugindo do Inferno e Inferno nº17 (neste, Otto Preminger aparece atuando numa clara sátira ao personagem de Stroheim). O melodrama, porém, não comoveu Hitler. Quando as tropas nazistas invadiram a França, o filme foi tachado de maldito e confiscado. O negativo original foi dado por extinto até ser redescoberto num porão de Munique (alguns dizem que foi na Rússia), na década de 60. Com a restauração da fita, o mundo pôde enfim aplaudir a obra-prima de Renoir, que certa vez lamentou por ter realizado “um filme antibélico que não conseguiu impedir a II Guerra Mundial”, declaração esta que pranteava sobre uma utopia demasiado ingênua. Seria insólito ver um trabalho artístico freando o curso de um conflito armado ou estabelecendo a paz mundial em definitivo. Junto de seus compatriotas, Renoir ainda tinha a esperança, infelizmente tudo não passava de uma grande ilusão.
http://www.imdb.com/title/tt0028950/
 
 




Sinopse:
Durante a Primeira Guerra Mundial, em um campo de prisioneiros na fronteira franco-alemã, as dificuldades levam homens antes inimigos a se unirem. Os gestos de solidariedade prevalecem sobre o conceito de nacionalidade e razões políticas. As ligações entre os dois oficiais inimigos parecem mais fortes que as de soldados de um mesmo exército. Segundo Renoir, que serviu no Esquadrão de Reconhecimento de seu país durante a Primeira Guerra, este filme é baseado em fatos reais.

Ficha Técnica:
Título no Brasil: A Grande Ilusão
Título Original: La Grande Illusion
País de Origem: França
Gênero: Drama
Classificação etária: 12 anos
Tempo de Duração: 114 minutos
Ano de Lançamento: 1937
Estúdio/Distrib.: Continental
Direção: Jean Renoir

Elenco:
Jean Gabin ... Lt. Maréchal
Dita Parlo ... Elsa (farm woman)
Pierre Fresnay ... Capt. de Boeldieu
Erich von Stroheim ... Capt. von Rauffenstein
Julien Carette ... Cartier, l'acteur
Georges Péclet ... Le serrurier
Werner Florian ... Sgt. Arthur
Jean Dasté ... The teacher
Sylvain Itkine ... Lt. Demolder
Gaston Modot ... The engineer
Marcel Dalio ... Lt. Rosenthal

Dados Do Arquivo
Tamanho: 699 MB
Qualidade: DVDRip
Legenda: Pt-Br
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