065. LADRÃO DE ALCOVA (1932)

O início do filme nos coloca dentro do que transcorrerá na película inteira. Veneza. É noite. Um homem próximo a uma lixeira a esvazia em uma gôndola e parte cantando “O sole mio”. Logicamente que não se trata de lixo, tampouco o mesmo é um responsável pela limpeza municipal mas tratou-se sim de uma operação de limpeza dos bens alheios. Em seguida encontramos esse cidadão no que pareceria um jantar romântico entre duas pessoas de respeito (um barão e uma Condessa). Aqui começa a cair as máscaras: trata-se realmente de dois ladrões. E ambos encontrarão no outro sua cara metada, sua alma gêmea. De golpe em golpe eles percorrem a Europa, chegando finalmente a Paris onde Gaston aproxima-se de sua nova vítima se fazendo passar por um competente secretário. O objetivo de Lily e Gaston é esvaziar o cofre de Madame Collet, a dona de uma indústria de cosméticos. Ocorre que para conseguirem sucesso, Gaston passa a flertar Madame Collet. O que causa ciúmes em Lily, que para se vingar resolve seguir o plano sozinha, roubando o cofre...
Assistido hoje, nota-se que o diretor apresenta os dois escroques como verdadeiros e elegantes artistas, que engenhosamente ludibriam com sua arte o mundo que os cerca. Para eles o roubo é apenas um estimulante, um prolongamento do ato de amar. A vida é dotada de razão, quando a vivemos com sabedoria. Eles sabem viver; andam lado a lado com a nata da sociedade, vivem em lugares elegantes, comportam-se com classe. É um mundo despojado de sentimentos arrebatadores, tudo deve ser apreciado com uma certa distância, a fim de que ninguém se machuque. As pessoas que o cercam são tidas como exemplares, mas a convivência mostra que não são tão virtuosas assim. O filme é constituído por seus diálogos brilhantes, onde escutamos falsas e dissimuladas confissões.
Podemos dizer que o que movimenta as comédias comédias americanas de Lubitsch é a visão de que o sexo e o dinheiro são os interesses maiores do ser humano. O diretor sempre trabalhou tal verdade de uma maneira distanciada, não sentimental. A vida humana é uma comédia cheia de brilhantismo. É um desfile de personagens aduladores, sedutores, mulheres sérias ou frívolas, amantes fracassados, todo um teatro mundano sagazmente desvendado por uma imagem ou um dialogo que nos faz subentender o que ocorre. A ironia é a tônica principal de sua obra. O sério e o ridículo convivem lado a lado na obra desse diretor. A cena de abertura traz-nos o conhecimento do elevado (a Ópera) e o transporta para a periferia. A arte não tem fronteiras. Sob a direção brilhante e ligeira, o diretor mostra ser um gênio da libertinagem, mexendo com a moral e brincando com as instituições.
Estamos distanciados desse mundo retratado por Lubitsch. A comédia pode nos soar falsa. O filme sofreu de certas dificuldades com a censura da época. O uso das sombras do casal , sugerindo o que não podia ser mostrado, exige demais de nós seres de um mundo onde tudo é permitido. Lembro-me que Dickens se usara da linguagem das ruas em muitas de suas obra. Hoje ele parece um autor hermético. Talvez esse filme por relatar uma classe que já não existe mais, em um mundo que também já foi varrido pelas Guerras e a modernidade de nossa época soe-nos falso. A questões são : a hipocrisia e os seres retratados não mais existem? Teria alguém contado posteriormente em linguagem cinematográfica com mais talento e elegância a história de um sofisticado casal de escroques?
Em caso afirmativo me esclareçam. Mas antes mergulhem com atenção nessa obra. Vale a pena.
http://www.imdb.com/title/tt0023622/



http://www.youtube.com/view_play_list?p=E7EEB3BD5BAE48EF&search_query=trouble+in++paradise+1932



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