domingo, 15 de novembro de 2009

083. O ATALANTE (1934)


Jean, jovem capitão de uma barcaça a motor chamada de Atalante, casa-se com Juliette, filha de camponeses. Mal a cerimônia acaba e os dois vão viver embarcados, navegando pelos canais de Paris. Há uma crise entre os dois, Juliette foge para a vida noturna parisiense, e Jean mergulha numa profunda depressão causada pela ausência da amada.  O velho lobo do mar Jules, ajudante de Jean, percebe a situação e sai em busca de Juliette. Aclamado pela crítica mundial como um dos mais belos e poético filme já realizado. Último filme dirigido por Jean Vigo, considerado o Rimbaud do cinema. Edição restaurada em magnífico preto e branco.



Crítica

- Por que é impossível deixar de amar O Atalante:

1. Há muitos filmes bonitos no mundo. Como também há muitos diretores capazes de identificar coisas belas no mundo e uni-las a seu bel prazer, construindo espécies de casas-de-bonecas que servem como objetos suplementares ao mundo, filtrado de todas as suas impurezas. Da mesma forma, há compositores e compositores que conseguem com uma das mãos nas costas associar nota a nota e conseguir uma melodia bonita, cantores para cantar certo essas melodias, etc. Não é assim tão difícil. Difícil é contemplar toda a diversidade do mundo, suas simetrias e dessimetrias, suas suavidades mas também seus traços grosseiros, os belos gestos e as ações ignóbeis. Nada fácil é agregar toda essa multiplicidade de aspectos do mundo e conseguir criar beleza a partir dela, tomar para si um bocado de dados sensíveis que por si mesmos não tem nada de belos para compor alguma coisa de belo que nasça desses encontros, unir o sublime ao grotesco, ou melhor, fazer o sublime a partir do grotesco. Não nos parece que muitos filmes tenham conseguido até o final tal intento. E, dentre os que conseguiram, O Atalante aparece talvez um tantinho à frente de todos eles (talvez Tempos Modernos de Charles Chaplin junte cabeça a cabeça) como a maior entrega que um artista cinematográfico já fez da grandeza do mundo traduzida para a tela do cinema.
2. A intriga de O Atalante é tão sumária que mais parece um conto de fadas: um casal recém-casado passará sua lua-de-mel num barco de carga sem nenhum conforto. Ele é comandante desse barco, gosta muito de sua nova esposa mas não parece amá-la (ao menos, ele não consegue ver seu rosto quando mergulhado em água). Ela é apaixonada por ele, mas uma forte vontade de conhecer a vida da cidade grande tornam-na um tanto impaciente, sobretudo se considerarmos a pouco entusiasmante vida cotidiana num barco. Atiçada pelos flertes que um vendedor de rua faz para ela e cansada dos adiamentos que o marido faz em levá-la para visitar Paris, a moça deixa o barco à noite, secretamente. Quando descobre a fuga da esposa, o marido decide partir imediatamente com o barco, deixando a moça perdida em terra firme. Separados e sob o risco de nunca mais se verem, os dois precisarão pôr à prova o amor que sentem. O que mais impressiona na esquemática e simples trama de O Atalante é o aparentemente infinito número de situações dramáticas entre um casal que o filme consegue capturar. Há espaço para a magia do andar de um corpo feminino (Dita Parlo caminhando contra o sentido do barco em plano geral, talvez a imagem mais pregnante e feérica do filme), para caminhar juntos e felizes na beira do rio, para a agressão gratuita ou para o desapontamento. E, claro, para os dois opostos extremos: o sofrimento absoluto que é o sentimento de perder para sempre a pessoa amada e a felicidade suprema que é estar feliz e ao lado da pessoa a quem se ama. O filme é incrivelmente bem sucedido em alternar essas diferentes situações aparentemente impossíveis de colocar juntas e no mesmo filme com naturalidade justamente porque ele não nos prepara para presenciar nenhuma cena. A sensação que o filme nos passa é que aquelas pessoas e aqueles objetos que ali estão são livres para se aproximarem ou se repelirem, independentes da intervenção de um diretor para guiá-los ou de um espectador para observá-los.
3. Jean Vigo não faz poesia com belas palavras. Escolhe sempre as imagens mais inesperadas, mais improváveis, para nos transmitir um sentimento vigoroso e novo de beleza. Pois a beleza em O Atalante não é da natureza da conformidade (com um ideal externo, um paradigma), mas do sentimento de grandeza que advém de determinadas situações, e também do disparate entre o formado e o disforme, sempre convivendo juntos no filme. A esse respeito, nada mais memorável do que a cena em que Juliette desce à cabine do Tio Jules, possivelmente a mais bonita do filme. Lá, ela trava o primeiro contato com as "coisas do mundo" que não conhecia, tendo vindo de uma cidade do interior. Num misto de repugnância (por Tio Jules ser feio, sem modos e desajeitado) e fascinação (o conhecimento e a vivência do velho marinheiro), ela observa como num transe as maravilhas vindas da China e do Japão, do Novo Mundo, as toscas tatuagens do marujo e as canções que ele conheceu pelo mundo. Aquela cabine vale o mundo inteiro, e vale como uma metáfora do filme: naquele pequeno espaço cabe tudo do mundo, do mais bonito ao mais feio, desde que se deva aceitar tudo ao mesmo tempo. O Tio Jules, falso coadjuvante, é o verdadeiro centro e a chave de significação do filme. Pois só ele, desde o princípio, sabe aceitar o mundo dessa forma (a história do filme será a dificuldade dos amantes em também aceitarem o mundo assim).
4. O Atalante é o filme que eu gostaria de ter feito. Ou então UM filme que eu gostaria de ter feito. Há outros, inclusive alguns defendidos nesta pauta por amigos: Love Streams, Adeus ao Sul, Se Meu Apartamento Falasse... Menos ter vontade de estar no set, dirigir os atores, estar diante da sala de montagem, etc. Gostaria de ter a clareza de consciência que fez com que Jean Vigo tivesse decidido abraçar o mundo dessa forma tão gigante e vertiginosa, sem medo – ou talvez com medo, mas a força da aposta superando qualquer possibilidade de voltar atrás – de realizar um conjunto descosido de película que não fizesse sentido a ninguém. Talvez todo o meu amor pelo cinema pudesse resumir-se nesses planos "inúteis", aqueles que não são feitos nem exatamente para se contar uma história nem para se mostrar como se sabe filmar. Mais do que o tédio na trilogia de Antonioni (Deserto Vermelho, sim, seria seu grande filme), me interessa o pós-tédio de Jean Eustache em La Maman et la Putain ou de Jacques Rivette em O Amor Louco. Ou o escoamento do tempo nos filmes de Ozu, que valem ser vistos tanto como obras específicas quanto como o mesmo e indefinido mantra do cotidiano em família. A barcaça Atalante, que dá nome ao filme de Jean Vigo, é um bloco de espaço-tempo privilegiado na minha cabeça. Foi e é minha casa, nela vivi, nela sonhei. Amei Dita Parlo e consegui ver seu rosto nas águas. E seu rosto, por fim, transformou-se numa cintilação, numa pulsação luminosa a que chamamos cinema. Um substantivo que definitivamente deveria se aplicar no feminino.
5. Poucas coisas no mundo conseguem misturar doce lirismo com selvageria transbordante. Podemos pensar em alguns momentos únicos, fugidios, que nos emocionam ao mesmo tempo que nos escapam. Como Glauber Rocha fazendo sua câmera dar círculos em volta de Ioná Magalhães e Sonia dos Humildes sob um fundo musical de Villa-Lobos, ou John Coltrane violentando apaixonadamente uma canção de A Noviça Rebelde. O Atalante é isso o tempo todo. O Atalante é uma carta de amor. Uma carta de amor que agrega o mundo em toda sua variação.
... Ruy Gardnier
http://www.imdb.com/title/tt0024844/
http://www.youtube.com/view_play_list?p=4CB0860862C78EF5&search_query=atalante


CINEASTA: JEAN VIGO
GÊNERO: DRAMA/ROMANCE
DIÁLOGO: FRANCÊS
LEGENDA: PORTUGUÊS
TAMANHO: 536MB
FORMATO: AVI
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Um comentário:

  1. Caros Amigos
    a titulo de colaboração o Mega informa que os CINCO links foram deletados
    O link onde você clicou não está mais disponível.
    Grato
    amicuscine

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